domingo, 10 de janeiro de 2016

Carta aberta ao meu vizinho

Prezado Vizinho de cima,

Bom dia.
Mesmo depois da noite passada, regada a risadas, drinks, conversas e música, consegui acordar cedo. A vida segue normal aqui no andar de baixo, o prédio não desmoronou, a sujeira já foi limpa e eu te diria que a casa está pronta para receber mais gente. Mas não vou deixar você bravo pela segunda vez no ano.

Toda vez que vou receber alguém, a primeira pessoa que penso é em você. Calma, não se anime. Nunca pensei em te convidar para as minhas festas (apesar de já terem me recomendado fazer isso). Mas penso em você porque como um bom inconveniente que é, claro que você vai aparecer. Minha única dúvida é a hora da sua visita.

Toda vez é assim. O problema, vizinho, é que toda vez não é sempre - mas toda vez você reclama.
Já reparou? Você já reclamou de um barulho de móvel arrastando (neste dia estávamos sentados comentou fundue), reclama do volume do som, da porta batendo, das risadas... Ah, as nossas risadas! Como te incomodam, não?! Quando conheci você no elevador, chutei que você estava na casa dos 30. Mas acho que me enganei, você deve ser mais velho que meus avós - e eles são bem menos ranzinzas do que você!

Eu deveria ter raiva de você. Mas não tenho. Eu tenho pena. Pena porque você não sabe o que é dar risada sem parar. O que é receber amigos, não se importar com o volume da música e das vozes, e pelo contrário, querer sempre aumentar a intensidade das coisas que estão acontecendo ao seu redor... 

Toda vez você está em casa e quer ir dormir cedo. Será que você tem compromisso de segunda a segunda e não cabe NENHUM intervalo para diversão? Me parece que sim. Você sempre está na sua casa, isso deve ser horrível.
Eu ouço você andando pra lá e pra cá toda vez que estou no andar de baixo - e isso não é sempre, pois eu passo boa parte do meu tempo fora de casa (já tentou conhecer o mundo lá fora?)...

Ouço sua mulher tendo crise de espirros, ouço vocês aos domingos e tudo que faço quando ouço tudo isso é ligar o FODA-SE. Ao contrário de você, que liga pelo interfone. 
Aliás, como você é macho. Se limita aos pisões mais fortes e ao interfone. A síndica já me disse que você nunca fez uma reclamação formal. A polícia nunca apareceu por aqui. Você é mesmo fodão.

Tão fodão que acabei de me lembrar de uma vez que nos encontramos no elevador. Era uma quarta-feira e você estava com um saco de carvão e algumas sacolas do Pão-de-Açúcar. Me contou que sua mulher estava viajando e você ia aproveitar para receber uns amigos e assistir uma partida de futebol. E que caso fizessem muito barulho, eu podia interfonar.

Vizinho, você não sabe fazer barulho.
Sua reunião regada a cerveja e futebol nunca vai me incomodar, fique tranquilo. 
Lembra quando eu disse que eu tinha pena de você? Também tenho da sua mulher, que precisa viajar pra você poder curtir a vida.

E essa é a vidinha mais ou menos de vocês. E eu sinto muito.

O balde de água fria que você nos deu ontem me serviu para uma coisa: lavar a louça de hoje.


Espero que seu ano seja diferente. Que você aprenda com meus vizinhos de porta, que cumprimentam, conversam, perguntam como vão as coisas, nunca se queixaram do barulho - e nas vezes que você reclama, eu sempre pergunto para eles se algo atrapalhou. A resposta é sempre não, inclusive a neném de 2 anos consegue dormir com nosso barulho.
Espero que você receba mais amigos - caso os tenha-, saia mais, fique menos limitado a estes 85 metros quadrados de apartamento e essa acústica que é mesmo uma merda.

"Convivemos" há um ano e meio. Não somos amigos, sequer colegas, mas olha que ironia... Já sei tudo ao seu respeito, conheço sua rotina, sua falta de ter o que fazer e tudo que posso fazer é ligar o meu FODA-SE e torcer pra que você seja feliz. 

Caso você não saiba o que é ser feliz, interfone aqui no andar de baixo que eu te dou uma aula.

Meus pêsames,
Da sua vizinha do andar de baixo.